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Labirinto



Longe...
Quero estar longe.
Há tantas palavras que fogem dos meus dedos
E pensamentos que negam quem sou...

Longe...
Queria apenas estar longe.

Não de algo em particular
De uma pessoa ou de um lugar
Mas longe de mim..
Longe do pensamento...
Longe... de pensar..!

É que pensar faz doer
Quando a lembrança e pergunta
Se unem numa só resposta
Há tanta coisa que dói sentir..!

Dói, sentir a dor vaga
Da memória que respira aqui
Exaltam-se os braços
Esticam-se os cabelos no chão
Há lábios que se amarram
Na antecâmara da negação!

Quando a loucura já é em vão
Displicente a lanterna
Que percorre a noite vadia
Sou apenas a sombra de um sonho
Que ontem parecia ser verdade, magia

Perto...!
Estive sempre tão perto de todos os lugares...
Perto de um beijo...
Perto de uma estátua para a imortalidade...
Perto de um copo vazio... ou cheio... tanto faz...!

Perto...
Tão perto de estar longe...
Porque é assim...
Nos corredores de um labirinto
Não há trilho ou astrolábio que nos sirva
Para encontrar o caminho de regresso a casa...

Perto...
Quero estar perto.
Há tantos momentos que se reunem entre os meus dedos
E imagens que concretizam quem sou...

Perto...
Queria apenas estar perto...

Perto...
Dos lençóis onde adormeço...!
Perto... num sono tranquilo... de criança a sonhar...
Com a próxima tarde de brincadeira
Jogando às escondidas... um remate poderoso...
No ar... um avião de papel cruza a rota de uma andorinha...
E no imaginário infinitesimal de um horizonte colorido...
Há sempre esse pião a rolar...
Na arca suspensa do peito..
Com tendência para parar.

E ao mesmo tempo...
Há sempre o olhar brilhante... ausente e vibrante..
Reflectindo ao longe...
O perfil enganador das palavras que crescem aqui...
Perto do fim.

É que há sempre um fim.
Seja perto... ou longe... do labirinto.

O que sou?


O que sou eu?
O que penso eu do mundo?
Sou uma noite a mais no jardim do paraíso?
Serei mais um pedra encravada na velha engrenagem do tempo?
Ou um sustenido de silêncio
Com uma descida de meio tom
Na escala de uma harmonia inaudita
Dentro da esfinge de areia
Nesse deserto quente
Onde a noite cai...
E cai...

E cai... a noite... sempre...
Cai!

O que serei eu?
Talvez sem respostas...
Só possa ser as perguntas que faço...

Que coisa sou eu?
Que algo é este que acontece aqui, dentro das fronteiras deste espaço?
Porque me chamam um nome?
Com que exactidão esse nome poderá ser ainda mais do que eu próprio?
De que nacionalidade será a minha solidão
Se as causas são estrangeiras à minha razão...

O que sou?

Constatação de mim



Tenho sono e durmo
Que mais há para fazer numa noite assim?
Ou ficar acordado a entreter os dedos
Ou copiosamente desmoronar-me em degredo
Na constatação de mim

Tenho sono e caio
Neste colchão tão macio e suave e amigo
Que na vida há poucos colchões assim
Tão confidentes
Tão correctos
Já não há pessoas assim

Tenho medo e fujo
O sono é o meu abrigo
Aqui faço de conta que morro
E com o Sol acordo renascido

Mas, ao anoitecer volta a dor a doer
E o peito queima, a água corre, o suor desce
E a solidão que fazia tudo para não ver
É de novo viva, aparece!

Assim,
Tenho sono e sonho
Que em mim se reformule um universo
Em que os paradigmas impludam e se invertam
Talvez amanhã um outro Eu possa acontecer
Sem pensar tanto, nem destruir tanto
O mundo simples de apenas sentir

Que tudo o que quero
É ser como as árvores do bosque são
Árvores de verdade, com folhas de verdade e vida de verdade
Sem dinheiro para gastar, nem horas para cumprir, nem tempo para pensar
Nem pernas para fugir

Ser apenas o puro sublime instante
Em que o ser é sem adjectivos nem poesias
Quero acordar livre do próprio Eu
Que o Eu seja livre de tantos mins

Tenho sono e durmo
Que mais há para fazer numa noite assim?
Ou ficar acordado a fingir que estou aqui
Ou copiosamente desmoronar-me em degredo
Na constatação de mim

Naufrágio


O que estás a fazer
No repuxo dessa tarde vadia?
Farás de conta que és essa figura cândida
De delícias e suspiros, divina Vénus, no centro da avenida?

O que estás a pensar?
Será que não entendeste ainda que não é sobre ti essa escultura?
E o simbolismo de um beijo ardente
Que guardaste dentro do teu pensamento
Afinal foi apenas uma iluminura ausente
Foi somente a noite escura.

O que estás a dizer?
Porque não procuras entender as circunstâncias em que o navio aporta?
Olha os remos, vê os sinais de fogo e as ondas a explodir... não vês?
Não vês?

Não vês o tempo a negar
As palavras pronunciadas num templo de vazio?
Não vês que naufragaste em mar alto?

Estás apenas suspensa na água
Por um fio de silêncio que perdura
Impenetrável, implacável... sereno e sedutor
Também as pedras lamentam
Que não tenhas ainda olhado para a água imensa
Por debaixo dos teus sonhos...
E sentido...

Vê...
És o centro polarizado 
Em que a antítese é seres tu
Nesse naufrágio isolado
Numa planície de ilusão
Voltado a Sul.

Porque é que...?


Porque é que todos correm unidos
De semblante febril, feliz, concreto
E eu não?

Porque é que todos suam e choram alegres
Fazem de conta que o poema não existe
E eu não?

Porque é que todos combinam, trocam, cortam, ferem,
Enganam ao longo do desafio
E eu não?

Porque é que, tão sorridentes, fingidos dão as mãos
Num dia, como se fosse festa eterna
E eu não?

Porque é que acordam sem solidão nem melancolia,
Espertos, não hesitam na acção,
E eu não?

Com mãos escondidas, branqueiam a traição
São o centro de todos os outros
São eles, mas eu não!

E ao fim da tarde, de tão cheia a sua casa
Família, amigos, cumprem destinos
E eu não..


Porquê?


Porque é que todos vêem o abraço na esquina da noite

Encontram as tabuletas no caminho, a indicar a direcção

E eu não?


Porquê?

Mas quando o momento chegar

Eu estarei aqui, na utopia do sentir,
Eu serei imortal..
E eles não...