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Oculto-me




Estou oculto
Ninguém me vê nesta sala cheia de fumo
Omito a voz
Invisíveis os dedos e os olhos e sonhos nús
Transparências onde exibo o que há cá dentro
A montra da saudade
Com saldos prontos a comprar
Ternos ventres abandonados ao relento
E poemas, muitos poemas que já não escrevo
E ninguém me sente...

Sou agora despercebido
Cálculo impossível de resultado
Sou o fragmento de um limite ultrapassado
Ósculos ardentes, volúpia e secretismo
Agente disfarçado da ternura
Observo o crepúsculo
Sentado nos degraus da casa antiga
Com cal nos braços
Transformo-me numa película leve e esvoaçante
Nuvem gelatinosa de confusão
Armadilha perene de loucura
Sou o diapasão ignorado do som do peito
E quedo em vitrais de eloquência
Onde a hipótese de eu ser eu agora
É tão remota quanto a hipótese de ser ninguém...
.
E disperso-me.... na sala ambientada com melodias clássicas
Castiçais com luz, cortinas vermelhas ao fundo...
E um palco em que se eregem discursos recheados
Lugar do meu monólogo permanente
E me delato... como pensador da liberdade...
Aprisionado ao tempo errado ou certo de pensar e ser
Que sendo errado ou certo... é sempre prisão...
Porque sendo é-me impossível abdicar de sê-lo
Porque pensando é-me negado toda a possibilidade de pensamento.

Se eu pensar, há coisas que não poderei já pensar...!


Pedro Campos.